USP - O anúncio de um golpe.

Já se podem vislumbrar os indícios de um possível golpe em curso na USP, orquestrado pelo atual reitor da universidade, João Grandino Rodas. Não se trata, por certo, de um golpe rumoroso, desses que se realizam após uma declaração, em alto e bom som, que explique a que se veio. Nem possui as características dos golpes de Estado que implicam na supressão quase total do ordenamento jurídico vigente, tal como se deu no caso do Golpe de 64 que inaugurou o período da ditadura militar brasileira.
Porém, nem por isso ele parece ser menos traumático. Cuida-se de um “golpe branco”, possibilitado tanto pelo uso dos vácuos legais de um conjunto normativo incapaz de garantir a manutenção dos resíduos democráticos da universidade, quanto por uma estrutura decisória amplamente favorável à consecução da vontade dos grupos no poder. Essas mudanças formais, no entanto, estão longe de prescindirem do uso da força direta, tão comum nos golpes mais escancarados. Que o diga a sistematização do recurso à polícia militar e à guarda universitária para reprimir manifestações políticas e o exercício regular do direito de associação estudantil na universidade.
Na reunião do Conselho Universitário (CO) ocorrida nesta semana aprovou-se uma concentração de poder (competências e atribuições) nas mãos do reitor inimaginável. De forma sintomática, ela veio acompanhada pela alteração dos antigos nomes atribuídos a cada coordenadoria ou comissão. Desse modo, tudo o que sugeria uma administração conjunta de órgãos da universidade foi substituído por noções que sinalizam uma administração altamente centralizada e distante da comunidade universitária, como por exemplo, “superintendência” – termo já empregado para denominar certas instâncias de instituições policiais ou militares.
A antiga Coordenadoria de Saúde e Assistência Social (COSEAS) foi dividida e desfeita. Agora, saúde e assistência social não estão mais relacionados, havendo uma superintendência para cada um, com o detalhe de que a de saúde passa a se subordinar diretamente à reitoria. Foram criadas as Superintendências de Segurança, de Comunicação Social e outras, que controlarão todo o concernente a suas respectivas áreas. O detalhe é que todas elas também estão submetidas à reitoria.
Esse processo de concentração excepcional de poder nas mãos do reitor, em detrimento de instâncias mais descentralizadas, e mesmo do CO, tem ocorrido com o aval do próprio CO. Como foi analisado em recente documento informativo do Grupo de Estudos e Trabalho sobre o Estatuto[1], a estrutura autoritária da USP induz a que o CO seja um órgão meramente confirmativo dos anseios do reitor da vez.
Mas essas mudanças normativas vêm acompanhadas por outros fatos recentes que cabe relembrar. Primeiro, a criação de uma nova instância decisória chamada “Conselho Gestor”, à qual não se deu nenhuma publicidade. Ela vem ocupada por inúmeros representantes diretos ou indiretos do reitor e, por isso mesmo, tem concentrado o julgamento de temas que de outro modo enfrentariam maior resistência, como a presença da PM no câmpus. Segundo, a aplicação do Regimento Disciplinar de 1972 contra estudantes e funcionários(as) que se manifestam politicamente contrários ao reitor. Como se sabe, tal regimento contém dispositivos claramente incompatíveis com uma sociedade democracia, proibindo a liberdade de expressão e de pensamento, greves e reuniões. É com fundamento nele que Rodas tem expulsado várias pessoas da comunidade USP. Terceiro, dando continuidade à herança da reitoria Suely Vilela, a atribuição de uma “gratificação” de R$ 3.500,00 às/aos funcionárias/os por “bom comportamento” – leia-se, por não terem aderido à greve estudantil. Quarto, como se disse, o emprego da polícia como “polícia política”, ao fichar estudantes que são parados(as) no caminho para a biblioteca, filmar atividades estudantis, fotografar envolvidos(as), realizar blitz e revistas infundadas, impedir a colagem de cartazes de conteúdo político ou rasgá-los, prender e expulsar ativistas, assim criando um clima de estado de exceção.
Essa tentativa de desmobilizar os(as) estudantes, seja pelo medo, seja pela força, e de “comprar” a liberdade de greve dos(as) funcionários(as), dividindo os movimentos pela democratização da universidade não ocorre de modo isolado. Ela tem uma contrapartida clara no esforço de Rodas em oferecer “vantagens” aos estudantes, delas excluindo o restante da população.
Nesse sentido, note-se, Rodas impediu que a linha amarela do metrô tivesse saídas na Praça do Relógio e em frente ao Hospital Universitário (HU), mas agora cria uma linha de ônibus que chega até essa linha, cuja gratuidade, contudo, é reservada a estudantes, professores e funcionários. Isso se alia a tornar todos os circulares da USP pagos para a “comunidade externa” (tão freqüentemente interna à USP) que se vale dos serviços públicos não só do HU, mas também das clínicas de psicologia, da creche e da escola básica, dos museus, das múltiplas exposições nas faculdades etc.
Também em tal direção se encontra a medida do Rodas de impedir que os bandejões sejam acessados por pessoas não-pagantes e de intensificar a fiscalização contra quem leve marmitas. A comida do bandejão, a seu modo de ver, não pode ser dividida com quem não pertence à USP, ainda que tal pessoa, como todos, também financiem a universidade. Cabe, ainda, lembrar das diferenciações que têm sido relatadas no âmbito do HU, onde a “comunidade USP” tem tido tratamento diferenciado.
Essas medidas “vantajosas” para a comunidade uspiana são, em verdade, parte do processo de privatizar a universidade e dividir estudantes. Elas servem para assegurar o silêncio absoluto de parte do corpo discente que, olhando apenas para o próprio umbigo e se esquecendo da função social da universidade, se contenta com um “privilégio” que ele terá ao longo de 4 ou 5 anos. O golpe está anunciado. O que faremos?
Autor Anônimo
Nenhum comentário:
Postar um comentário